Magnólio

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Roberto Antonio Carneiro dedica um miniconto aos fortes

Magnólio, o futuro Bufão

Magnólio era vida toda, ou queria ser um Bufão?

Sua infância

Sertão da Paraíba, a 240 Km de Pombal, cidade mais próxima, num pequeno e pobre vilarejo St. Antão Pai dos Milagres. Nasceu em 1930, filho de família numerosa, 12 irmãos: Magnólio dos Anjos. Filho de Anacleto e Marinalda. Como não tinham água todo santo dia, tinham que puxar baldes da represa mais próxima já bastante vazia, com água poluída pelos jegues que lá tomavam banho.

Aos 03 anos de idade ficou órfão de pai e mãe e perdeu todos os seus irmãos na grande seca de 1933. Casa de pau a pique destruída, restando somente cactos, magros e secos. Mandacarú nem pensar. Magnólio resistiu a intempérie e sozinho ficou até ser encontrado por grupo contratado pela prefeitura de Pombal, com a finalidade de socorrer os que restaram da seca indomável; estava meio vivo no meio dos cadáveres de seus pais e irmãos mais velhos. Esqueletos definidos e sem carne, somente ossos. O cachorro da família, com magreza brutal, também não resistiu. Adeus Totó.

Magnólio, menino de cabelos de fogo, encrespados, magro com um pequeno varapau, foi levado para Pombal ficando no Orfanato Nossa Senhora dos Pobres Desvalidos. Tinha comida, roupa mal lavada e duas refeições pro dia. Continuava esquálido e de cabelos mais crespos e cor de fogo.  Era deixado de lado pelo outros órfãos, pois achavam que Magnólio era um desprotegido de Deus, talvez filho do Demo. Porque, não sabemos!

A vida foi levando e Magnólio aos 14 anos, ainda trabalhava e ajudava na lavoura, para justificar sua presença no orfanato. Lavoura de milho, feijão, colheita certa no verão. Sua alegria era aos domingos ir à missa e depois aproveitar as horas de lazer, acompanhando com olhos ávidos aos circos e mambembes que armavam sua tenda no pátio diante da igreja e o deixavam encantado. Magnólio já tinha ares de quem queria ser um palhaço, trabalhar no picadeiro e tornar-se um verdadeiro bufo. Alegria de criança em seus sonhos era ser aviador ou maquinista de trem. Magnólio não tinha estes sonhos. Queria ser palhaço. Vida de picadeiro, vida de incertezas, mas levando alegria ao outros, pois esta não teve na sua pequena trajetória de vida.

O Circo

A passagem do Circo Picolino na cidade, ficando por uma semana, encheu os olhos de Magnólio. Nos seus planos, abandonou na noite de véspera da partida do Circo, o orfanato, saindo furtivamente à noite e escondeu-se num dos carroções que levavam os animais e artistas de circo. O pequeno e mirrado Magnólio incorporou-se como ajudante no circo, às vezes fazia parte da trupe de palhaços e seu nome era Foguinho. Sempre apanhava dos outros palhaços para fazer a plateia rir.

O Circo vagou pelo interior e três meses depois foi para o Rio de Janeiro, armando sua tenda em Madureira, pois seu Picolino um dos mestres e donos do circo havia recebido proposta de se apresentar no Rio de Janeiro. Irrecusável. Magnólio havia sido aceito no circo e fazia limpeza nas jaulas, aos poucos participava das peripécias dos palhaços.

A infância de Magnólio de Cabelos de Fogo, ficava para trás, sua família era o circo e seus amigos palhaços, acrobatas e trapezistas. Brincar no pátio de frente da igreja de Santo Antão aos domingos, com os pés correndo se arrastando na poeira, somente protegido por sandálias feitas de couro de bode pelo seu irmão mais velho, ficava para somente nas memórias. Já estavam bem surradas. Somente lembranças e alguma amargura.

 

Magnólio no Circo

O palhaço Mimi e sua namorada Estrela Dalva ficaram amigos de Magnólio e o protegiam de tudo. Alimentavam Magnólio e o ajudavam a aprender ler e escrever. O menino franzino de cabelos de fogo aprendia a arte de ser um palhaço. Bufão seu futuro. Nas pantomimas Magnólio sempre acabava com a cara cheia de pó de arroz, às vezes suja de creme batido. Tudo para a plateia rir. O senhor Picolino, dono do circo pegava em seu pé e toda hora dizia:  “Magnólio, você nasceu para alimentar os animais. O elefante está chamando”. E ria às bandeiras despregadas. Gordo e rechonchudo, Picolino havia sido um palhaço bem conhecido em todo o mundo, talvez não tão importante como Piolim. Magnólio dormia a noite no feno guardado para os animais; não se ressentia disto e sonhava com seus pais, seus irmãos, chorava baixinho com o coração saudoso – e urinou nas calças até os 14 anos de idade. Micção comum em crianças desamparadas. Enurese noturna acompanha muitos anos os órfãos.

O gato, como Magnólio chamava, era o tigre de bengala, fatigado pela idade não tinha às vezes para fazer um rugido, com dentes faltando e alguns quebrados. Mas era o senhor gato com rugido pouco estridente. Magnólio gostava do tigre.

Magnólio falava com ele dizendo que a vida era assim mesmo, todos ficavam velhos. Menos seus pais que faleceram até que precocemente; No sertão é assim mesmo, muitos morrem cedo; Deus encomenda a tristeza e o limiar de uma vida menos longa. Magnólio ficava alegre quando estava com a menina Clarindinha, de cabelos também crespos, pretos e feições dóceis; Magnólio achava que era a garota de seus sonhos. Mas isto passou depressa. Magnólio era uma figura não muito atrativa para as meninas e também extremamente tímido.

Magnólio chegou ao Rio de Janeiro

Madureira não lembrava o sertão. O bairro era cheio de pedestres, lojas, camelos nas calçadas e barulho de automóveis indo e vindo. A vida em Madureira iniciava nas primeiras horas do dia. Bairro bastante progressista do Rio. O circo acampou perto da linha ferre, num descampado próprio para abrigar estas lonas. Magnólio olhava tudo com surpresa. Ajudando a armar a barraca circense e alimentando os animais. Magnólio era encantado pela trapezista, Sheyla, mulher de corpo sarado, não muito bonita, mas encantava os sonhos e devaneios noturnos de Magnólio. Não era recíproco, pois Sheyla tinha um amante de carranca mal encarada e nenhum homem ou menino chegava perto da trapezista. Este espantava possível pretendentes.

Havia um dia de folga nas apresentações, na segunda-feira. Magnólio amealhou alguns cobres e tomou o ônibus que ia de Madureira ao Jardim Botânico. Bateu os costados, maravilhados pela vista da Lagoa e do Jockey Clube. Rio cidade maravilhosa. O ponto de ônibus era próximo a um dos casarões da TV Globo. Estavam filmando, fazendo algum programa de auditório, pois a rua estava cheia. Filas imensas pessoas bem vestidas e moças exuberantes em roupas coladas e maquiagem exagerada e brilhante. Magnólio perguntou a um rapaz negro passante que se mostrou solícito e disse: “Estão fazendo o programa do Chacrinha”. Começa logo a gravação. Magnólio num impulso desabalado entrou na fila e a sua figura foi logo distinguida. O Homem da fila perguntou: “Você rapaz o que vai fazer? Magnólio sem saber disse: “Vou fazer graça, fazerem os outros rirem”. O Homem da fila disse: “Entre por aqui e apresente-se ao Russo, que vai lhe arrumar alguma coisa para fazer, pois você parece um palhaço, nestas roupas e seu cabelo cor de fogo. Magnólio apresentou-se ao indicado e logo começou a ajudar nos arranjos para o auditório do programa. Ficou encantado com as cores, com o Sr. Adalberto e as chacretes, lindas, pouco vestidas e volumosas nos lugares certos. O tempo ia passando e todos os santos dias Magnólio ia para a Globo e ficava por conta de pequenos trabalhos e finalmente trabalhando no auditório. Apaixonou-se secretamente pela ajudante de palco: Maristela, mineira, miúda e de corpo bem feito. Magnólio também sonhava sempre que podia de olhos abertos ou fechados com a mineirinha gostosa; mas tudo de longe, pois Magnólio não tinha o físico apropriado para arranjar uma namorada.

Como o tempo passa

Aos 56 anos Magnólio empurrava com a barriga a vida sem nenhuma esperança de melhorar. Na TV Globo continuava fazendo papel de ajudante, em troca de alguns trocados e refeições na cafeteria. Magnólio começou a beber aguardente: Pitú, lembrando-se do nordeste do Brasil de onde vinha esta cachaça. Meio litro e de início ao dia e meses depois já tomava duas a três garrafas ao dia. Dormia a sono solto após ingerir esta grande quantidade. Tornou-se um alcoólatra e às vezes dormia junto com alguns sem-teto e drogados nos Arcos da Lapa.

Deixou a vida passar, seu quartinho abandonou, não aparecia mais na Globo, esqueceu a mineirinha. Era mais uma véspera de Natal e Magnólio com a roupa surrada e esfarrapada, dormia ao relento. Eram quase às 24 horas da Noite de Natal. Magnólio acordou desperto após mais uma carraspana, com barulho de passos leves e quase inaudíveis, ao seu lado. A luz da lua iluminava o cantinho dos Arcos e Magnólio olhou com dificuldade, olhar meio esgazeado, para o lado e escutou vozes macias e ao mesmo tempo cheias de carinho: “Meu filho somos seus pais Anacleto e Marinalda que viemos buscar você para estar na Glória de Deus junto conosco e seus irmãos falecidos”. Magnólio com a boca travada pelo álcool, disse: “Meus pais ainda não vivi. Sou jovem. Será que devo partir?”. As figuras etéreas disseram: “ Filho tendes que parar de viver desta maneira, o local em que vamos é cheio de glória e júbilo, lá não existe seca e nem fome”. Pegaram Magnólio pelas mãos, este figura já etérea não pesava ainda mais. A luz iluminava os Arcos, coro de anjos angelicais era ouvido por Magnólio. Caminharam em direção à luz, luz eterna e diáfana.

Pela manhã de 25 de dezembro deste ano de Deus, dia do nascimento de Jesus, foi encontrado por um guarda municipal o corpo de um homem de cabelo de fogo, magrelo, olhos amarelados e secos com abdome ascético por ter uma cirrose alcoólica, mas que tinha no rosto um sorriso cheio de amor. Seu corpo estava gelado pelo frio da noite e na sua mão havia um pequeno pedaço de papel amarelado e trazia a inscrição: “Sou Magnólio, nordestino de coração”.

Esta é a vida de Magnólio, um futuro ex-palhaço Bufão, nordestino, alcoólatra e derrotado pela vida. O nordestino é um forte. A vida o torna mais forte e mais sagaz.

Miniconto dedicado aos fortes.

Por Roberto Antonio Carneiro